As micro cervejarias artesanais estão em alta: estima-se que o mercado cresça 15% ao ano no Brasil. Além de experimentar, muita gente também quer fabricar novos tipos de cerveja. Prova disso é que, pela primeira vez em suas 11 edições, a Brasil Brau, maior feira da indústria cervejeira do país, que aconteceu em São Paulo entre 5 e 7 de julho, não foi restrita a empresários e fabricantes do setor. Pagando 30 reais por dia, o público pôde visitar os estandes de expositores e, por três reais o copo, degustar as cervejas expostas. Muitas delas eram de produção caseira e continham ingredientes bem inusitados – e a repórter que vos escreve, que é uma grande fã de cervejas artesanais, foi lá ver (e experimentar) essas criações.
O expert Maurício e eu com bons drink Para me guiar pela feira, tive a sorte de contar com um dos maiores entendedores do assunto no Brasil: Mauricio Beltramelli, mestre em Estilos de Cerveja e Avaliação pelo Siebel Institute de Chicago (EUA) e co-fundador e editor do
BREJAS, o maior portal brasileiro sobre cervejas. “As pessoas estão começando ver a cerveja de uma forma diferente, a entender que existem 180 estilos que vão muito além da pilsen que bebemos no bar”, ele me disse. “Hoje estamos num estágio tão evoluído que temos cervejeiros caseiros ganhando prêmio internacionalmente”.
Cerveja de doce de leite e de fumo de rolo
Meu passeio pela Brasil Brau começou bem: a primeira cerveja que vi era feita de doce de leite! A Cerevisiae Lundii, que nem é vendida ainda, foi invenção do mineiro Humberto Ribeiro Mendes da Cervejaria Jambreiro, de Nova Lima (MG), e levou o primeiro prêmio em um concurso promovido pela Acerva (Associação dos Cervejeiros Artesanais) Mineira neste ano. Mas ninguém pôde degustar a belezinha: a única garrafa no local foi um presente para Maurício e sua mulher. A cerveja, que tem 10% de álcool, deve custar cerca de 40 reais.
Quem ficou em terceiro lugar nesse mesmo concurso foi o casal Paulo Patrus e Gabriela Montandon, da cervejaria Grimor, com a Cerveja de Tabaco Mineiro. Sim: a cerveja deles era feita com fumo de rolo. Mas a bebida também não estava lá para podermos provar: a produção é tão pequena que eles não conseguiram fazer o suficiente para levar. Hoje, a mini cervejaria (ou “cervejaria de Barbie”, como diz Gabriela) produz cerca de 300 litros por mês, geralmente para amigos, mas a quantidade deve dobrar em breve. “Somos produto do crescimento do mercado brasileiro em cervejas artesanais. Começamos a fazer nossa própria cerveja na panela”, conta Gabriela. Ela e o noivo resolveram adiar o casamento para comprar o equipamento adequado – que, hoje, fica ao lado da piscina da casa deles em Belo Horizonte.
Gabriela e Paulo, da cervejaria Grimor, e Humberto, da Jambreiro Canto gregoriano para o bem estar das leveduras
Minas Gerais deve ser a terra da criatividade para a cerveja. Outra cervejaria de Belo Horizonte com destaque no cenário artesanal – e uma história boa pra contar – é a Falke Bier. As leveduras da cerveja Falke Tripel Monasterium, baseada em receitas de monges belgas, trabalham ao som de canto gregoriano. “Os cervejeiros somos meros cozinheiros. É a levedura que faz todo o trabalho, então ela tem que ser bem tratada”, me explicou Marco Falcone, da cervejaria, conhecido como o “xamã da cerveja” por todo o seu conhecimento no assunto. “Isso é que é legal em fazer cerveja. Se tem sentido ou não, não importa. Tem a ver é com acreditar, ter paixão em fazer isso”, disse o Maurício. Outras cervejas são fermentadas ao som de música clássica. Mas Marco me contou que, para dar uma animada nos microorganismos trabalhadores, começou a colocar um jazz também. “Fazer cerveja é juntar ciência com o coração”, disse.
Cervejas da Falke Bier. A de jabuticaba é a primeira da esquerda É dessa mesma cervejaria que vem a tão falada cerveja de jabuticaba, lançada no evento. O sucesso foi tanto que não havia mais para degustar (tristeza!). A ideia veio de um problema que havia ocorrido com a produção de outra cerveja, a Falke Tripel Monasterium, inexplicavelmente contaminada por bactérias lácticas. Para não jogar toda a produção no lixo, resolveram estocá-la por mais um tempo imitando a técnica belga utilizada pelas cervejas do estilo Lambic, de fermentação espontânea. Funcionou: dois anos depois, a bebida ficou boa. Para cortar a acidez, eles testaram algumas frutas brasileiras. Tentaram usar acerola e ficou ok, mas a coisa ficou boa mesmo com jabuticaba. Assim nasceu a Vivre Pour Vivre, cujo nome foi inspirado no filme francês homônimo, de 1967, que Marco Falcone adora. Ele recomenda saborear a cerveja, que vai começar a ser vendida agora a pedidos (vai custar 200 reais) ouvindo Thème de Catherine, a música-tema do filme, para uma experiência mais rica.
Cerveja que regula o intestino pode chegar ao mercado em um ano
Amanda Reitenbach criou uma cerveja probiótica Apesar de todo o fator sentimental da produção de cervejas, boa parte dos cervejeiros são ligados à ciência e à engenharia. “Somos nerds, gostamos de rock e jogamos RPG”, disse Gabriela, que é bióloga. E eles levam a sério a tarefa de fazer cerveja. Amanda Reitenbach, de Florianópolis, é mestre cervejeira e tem doutorado em fermentação e engenharia metabólica pela UFSC. Ela desenvolveu uma cerveja probiótica (com microorganismos vivos que fazem bem à saúde) em parceria com a Heineken. “Depois de três anos pesquisando leveduras, cheguei a essa que resistie à acidez no estômago e aos sais biliares e consegue regular o funcionamento do intestino, aumentar a absorção do colesterol bom e deixar o organismo mais resistente”. A cerveja resultante tem uma turvação parecida com a da pilsen artesanal e deve chegar ao mercado em menos de um ano.
Beber pouco para beber melhor
Com tanta cerveja boa e barata para ser degustada naquela feira, seria normal esperar ver um monte de gente cambaleando por ali. Mas não foi assim. Não digo que saí de lá pronta para caminhar numa ponte suspensa, mas não se via ninguém bêbado. “Não tem mesmo. Nem em festa cervejeira tem. O bom da cerveja artesanal é que você fica satisfeito com pouca quantidade”, confirmou o Maurício. A filosofia deles é “Drink less, drink better”, ou “beba menos, beba melhor”. O lema está estampado nos rótulos da cervejaria Abadessa, de Herbert Schumacher, junto com outros alertas contra o consumo por mulheres grávidas e o incentivo à reciclagem. “O álcool também é uma droga, então temos que agir com responsabilidade social”, disse ele, que deu esse nome à cervejaria em homenagem à monja Hildegard von Bingen, descobridora da utilidade do lúpulo como conservante natural da bebida no século 12.
Além do consumo responsável, esses cervejeiros querem fazer o brasileiro deixar de associar tanto a bebida com futebol e mulheres seminuas e passar a vê-la mais como um bem cultural. Para saborear as cervejas artesanais, a ideia é que você beba de pouquinho e preste atenção a outros detalhes além do sabor – a cor, o cheiro, a densidade, o modo como é fabricada – , assim como se faz com o vinho. “Quando provo uma cerveja nova, levo uns 40 minutos para terminar uma garrafa só. Sento com o laptop e pesquiso tudo o que posso sobre o rótulo”, contou Maurício.
Dicas para quem quer começar
Se você se animou e resolveu explorar o mundo da cerveja para descobrir o que está além da pilsen do bar, aí vai a dica do Maurício: “Comece com a cerveja a que você já está acostumado. Se costuma beber pilsen, procure cervejas feitas de trigo. A fermentação ocorre de maneira diferente, mas o sabor, a cor e o aroma são parecidos. Então você vai começar a ver que cervejas claras podem ser muito diferentes em estilos. Depois, poderá passar para as mais escuras, encorpadas e alcoólicas”.
E não se preocupe se não gostar de alguns tipos. “Existem 180 estilos, você não vai gostar de todos eles. O importante é entender que cada uma tem sua proposta – inclusive a pilsen que é vendida em massa. Tem aquela para você tomar na praia, na lareira, sozinho com os amigos, com a namorada. Conhecendo, você vai acabar encontrando a cerveja certa para o seu momento e estado de espírito”. E sim, você vai pagar mais caro por elas. Mas garanto que vai valer a pena.