quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014

"Faça sua cerveja em casa", segunda a revista Galileu

A Cervejaria Inconfidentes (Grimor + Jambreiro + Vinil) participando da história da cerveja no Brasil.

Veja a matéria completa aqui: Galileu

Aquela cervejinha não é mais a mesma. Nem cabe no singular: são cervejinhas. O mercado da bebida mais popular do mundo vem mudando bastante nos últimos anos — e essa tendência está chegando ao Brasil. Surgiram cervejarias que começaram a fazer receitas diferentes e importadoras que foram além das garrafas coloridas. As pessoas descobriram que produzir sua bebida em casa é possível e bem fácil; e algumas decidiram até fazer do hobby negócio, abrindo fábricas para produzir as receitas antes limitadas à cozinha.

Grande parte das novas cervejarias artesanais do mundo é de gente que começou cozinhando a bebida em panelões caseiros. “Está mais para cozinhar que para fazer vinhos”, explica Garrett Oliver, mestre cervejeiro da Brooklyn, do bairro homônimo de Nova York. É nas panelas de casa que muito cervejeiro experimenta criações antes de levá-las às fábricas. E para fazê-las bastam panelas, fogareiro, ingredientes e paciência. As instruções cabem numa folha de papel impressa (ou em duas, como mostramos no infográfico desta matéria). Transformar água, malte, lúpulo e leveduras em cerveja é um processo imutável há séculos e, da casa para a fábrica, o que muda é a escala de produção e o esforço para manter o padrão — algo no qual as grandes companhias investem milhões por ano e os cervejeiros artesanais suam para conseguir.

A tendência das artesanais já não é novidade nos EUA há pelo menos uma década. E as mais de 3 mil cervejarias no país vêm do fato de haver, segundo a Associação Americana de Cervejeiros Caseiros, mais 1,3 milhão de pessoas cozinhando maltes e lúpulos por lá. Por aqui, nos últimos anos, nosso Ministério da Agricultura já registrou mais de 2.700 receitas diferentes (veja o mapa ao lado), muitas delas feitas em casa e por gente ainda à espera para transformar seu hobby em negócio. Com duas cervejas lançadas — a Júpiter American Pale Ale e a India Pale Ale —, o cervejeiro David Michelsohn cria suas receitas no seu próprio fogão. “Hoje você não precisa juntar mais dez amigos para comprar ingredientes”, diz. “Basta ir às lojas e ver o tanto de blogs e sites que existem — há muita informação para quem quer fazer cerveja boa.”

Se fazer é fácil, viver dela no Brasil ainda é uma realidade em formação. “O mercado está aquecido por causa do crescimento da economia em geral”, continua Marcelo Carneiro, da Colorado, em Ribeirão Preto. “Todo mundo está ganhando dinheiro em uma coisa e querendo investir em outra.” Os impostos são altos, a distribuição é cara e o mercado tende a ter cada vez mais marcas e mais competição. “A partir do momento que você monta uma empresa, tem toda uma estrutura extremamente complexa a lidar”, diz Alessandro Oliveira, da Way Beer, de Curitiba. Ele também começou nas panelas. Era importador de acessórios de grifes italianas quando cansou de moda e decidiu abrir uma cervejaria para chamar de sua. Montou a fábrica com capacidade para 30 mil litros mensais com quatro amigos em 2010 e, três anos depois, já duplicava sua capacidade de produção. “Isso só aconteceu porque tínhamos um plano de negócios bem definido. A ideia sempre foi começar pequeno, pensar grande e crescer rápido.”

Entre fãs de cerveja artesanal americana, o norte-americano Sam Calagione é considerado um Steve Jobs deste mercado. Sua cervejaria, a Dogfish Head, tem fiéis fanáticos como os da Apple: lançamentos das cervejas sazonais são aguardados ansiosamente, já há clássicos que seguem reverenciados e Sam é bom de papo e marketing. Atualmente sua cervejaria é a 20ª maior dos Estados Unidos, 13ª entre as artesanais, com produção de 26 milhões de litros por ano e mais de 33 receitas em linha de produção. Sua primeira brassagem (“brassar” é fazer cerveja, deriva do francês, brasserie, que nada mais é do que o lugar onde se faz e bebe cerveja) foi suficiente para que ele decidisse fazer da cerveja seu ganha-pão. No porão do apartamento de um amigo em Nova York, jogou malte, água e lúpulo em uma panela e, depois de experimentar sua criação, subiu à mesa e gritou: “Quero viver fazendo isso”. Dois anos depois, em 1995, abria a Dogfish Head.

Apesar da competição, sobreviver de cerveja no mercado americano é mais fácil que aqui. Uma Dogfish Head num supermercado em Delaware, estado onde fica a fábrica, custa centavos de dólar a mais que uma industrializada, enquanto, no Brasil, o preço de uma artesanal pode ser até cinco vezes maior. O sistema de taxação americano é responsável pelo feito. Lá, as cervejarias pagam impostos de acordo com o volume de produção. Aqui entra tudo no mesmo engradado e os impostos chegam a quase 45% do preço da cerveja que vai para o copo. Os custos de produção são mais baixos, também por conta do sistema tributário. “Consigo mandar minhas cervejas para alguns lugares dos EUA com o preço igual ou menor do que eu vendo aqui”, diz Carneiro, da Colorado.

Fora que não somos tão bons de copo como gostamos de achar: bebemos, em média, 70 litros de cerveja por ano, enquanto os checos — campões do mundo neste assunto — bebem 156 litros por ano.

Ainda assim, o mercado aqui cresce com desenvoltura. As cervejas de encher engradado, mais comuns nos bares, viram suas vendas crescer 5% em 2012; as premium, 13%; e as artesanais passam dos 20%. Só importadoras no Brasil são pelo menos 30 (entre 2005 e 2010, as importações cresceram 538%), trazendo mais de 600 rótulos diferentes. Ao todo, em 2012, foram produzidos 13,7 bilhões de litros de cerveja, mas somente 0,15% deste total são artesanais. A expectativa é que daqui a 10 anos, este mercado no Brasil chegue aos 2% da produção nacional.


RACHANDO O PREJUÍZO
Mas antes de ter uma cerveja, é importante ter uma cervejaria. Ela não precisa ser sua, mas só dá para obter registro da cerveja no Ministério da Agricultura com uma cervejaria. Para isso é preciso abrir uma empresa e registrar a marca no Instituto Nacional de Propriedade Intelectual. A solução para alguns cervejeiros que queriam colocar suas criações na rua, mesmo com toda a burocracia e carga fiscal, foi resolvida como a conta na mesa de bar: divide-se o prejuízo. As mineiras Grimor, Jambreiro e Vinil uniram forças para montar a Inconfidentes — Cervejaria Conjurada em Nova Lima (MG). Panela para cozinhar o malte, tanques de fermentação e modificações no imóvel para a implantação da fábrica custaram quase R$ 800 mil, rateados entre as três. “Todos [na Inconfidentes] somos da Acerva Mineira. Os cervejeiros caseiros já nasceram nesse clima de associação, compartilhando conhecimento”, diz Paulo Patrus, um dos sócios da Inconfidentes.

Outra estratégia é usar a fábrica alheia. Com a Jupiter é assim. A cervejaria assinou um contrato com a Dortmund para produzir a Jupiter APA e com a Invicta para fazer a Jupiter IPA, ambas do interior de São Paulo. No dia de fazer suas cervejas, David vai pessoalmente até as cervejarias e comanda a produção. “É importante negociar litragem, periodicidade, pagamento e detalhes que podem variar de uma produção para outra”, explica.



Distribuição é outro gargalo. Aumenta até duas vezes o preço final da cerveja, obrigando o produtor a jogar o lucro para baixo. DUM, Morada Cia Etílica, Pagan, F#%*ing Beer e Tormenta, de Curitiba, resolveram tomar as rédeas da distribuição e se uniram para criar a Liga das Cervejas Extraordinárias. “Será nossa plataforma de comercialização”, explica André Junqueira, da Morada. “Queremos encurtar a distância entre quem faz cerveja e quem bebe. E, como independente, podemos negar pontos de venda e distribuidores regionais se achamos que não tratam bem nosso produto.”

E isso é só o começo dessa nova fase: “Há um frenesi no mercado de cervejas artesanais, o setor está em expansão, mas tem muito cervejeiro que não colocou as contas na ponta do lápis”, diz Carneiro. Pode parecer pouco, mas se a projeção de 2% do mercado total de cerveja para as artesanais se confirmar em dez anos, sobrarão motivos para comemoração. Em 30 anos, desde a retomada do mercado artesanal americano até hoje, as cervejarias artesanais americanas conseguiram abocanhar 10% do mercado total. Isso significa que vem ainda muita novidade por aí. Por isso, evite perguntar “você gosta de cerveja?”, pois a pergunta pode soar tão genérico quanto “gosta de música?”. A resposta pode vir numa taxinomia complexa: estilo, país, cervejaria, tipo de lúpulo, maltes e até ano de produção. São 78 estilos individuais e dúzias de subcategorias já catalogados — e como com cerveja é comum o mashup de estilos, esse número cresce como espuma. Saúde!


FEITAS EM CASA

Como só é possível obter registro para vender a bebida abrindo uma cervejaria (mesmo que ela não tenha uma fábrica), há mais registros de artesanais pelo Brasil que de fábricas. A Gauden Bier, de Curitiba, por exemplo, produz fórmulas próprias e de outras artesanais — o que ocorre com a Invicta e a Dortmund, no interior de São Paulo. Há mais de 2.700 registros de cerveja no Brasil, mas isso não significa que haja 2.700 marcas no mercado. Isso porque muitas das cervejarias correm para fazer o registro dos produtos antes mesmo de começar a produzir as receitas. O Ministério não faz separação entre artesanal e industrial, tudo é computado dentro do mesmo engradado. Apesar dos quase 20 anos de cerveja artesanal no Brasil, o mercado começou a crescer com vigor apenas nos últimos cinco anos, quando novos rótulos se espalharam. Selecionamos e mostramos no mapa ao lado algumas das principais marcas artesanais do país (que se concentram no Sul e no Sudeste) e o número de rótulos registrados em cada uma delas.