quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

Governo poda criatividade das cervejarias artesanais

Ministério da Agricultura impede o uso de ingredientes e nomes pouco convencionais nas cervejas, dificultando a atuação de pequenos produtores

Fonte: Gazeta do Povo

Cavalcanti, da Bodebrown, e a sua Perigosa: nome que ele queria dar à cerveja foi vetado pelo Ministério da Agricultura

Proibições de ingredientes e até de nomes de produtos por parte do Ministério da Agricultura vêm barrando a atividade – e a criatividade – de microcervejarias no país. No último ano, o movimento tem se intensificado, impedindo lançamentos de novas cervejas e atrapalhando até o processo de criação das bebidas.

Na formulação, os desentendimentos ocorrem pela proibição de determinados insumos na produção das cervejas. No caso dos nomes, as decisões são mais subjetivas: o governo tem impedido o uso de títulos ou adjetivos que supostamente confundiriam os consumidores.

O produtor Samuel Cavalcanti, dono da cervejaria Bodebrown, de Curitiba, passou pelas duas situações. Na tentativa de criar sabores e variações da bebida, já teve alguns de seus produtos barrados. Foi o caso de uma cerveja que usaria lactose – o ministério não teria entendido a função que o insumo teria na bebida e, por isso, proibiu seu uso.

Episódio semelhante ocorreu com a DaDo Bier, de Porto Alegre. No início do ano, ela foi proibida de vender uma cerveja com sabor de chocolate. O problema apontado pelo ministério foi que não está prevista a utilização de derivados animais, caso do leite em pó, na produção de cervejas nacionais. Junto com sua parceira, a chocolateria Kopenhagen, a DaDo Bier insistiu no projeto. Reformulou o produto, retirando o ingrediente proibido, mas a bebida foi novamente barrada, por causa do uso de outro insumo.

“A criação de produtos diferentes, inusitados, com novos sabores é um dos maiores trunfos das cervejarias artesanais. Diferentemente do que parte do Ministério da Agricultura pode pensar, não estamos descaracterizando a cerveja, mas trazendo inovações para ela, como ocorre no mundo inteiro”, diz Cavalcanti, da Bodebrown.

Nome perigoso

Há cerca de dois anos, a cervejaria curitibana foi aconselhada pelo Ministério da Agricultura a alterar o nome de uma de suas criações, a cerveja Venenosa, a fim de evitar possíveis mal-entendidos. A cervejaria acatou a decisão e o produto passou a se chamar Perigosa. Outras empresas do país também já sofreram com o problema ao registrar nomes que fazem relação a outros produtos, como o chocolate ou a rapadura.

“Entendemos que o tema é novo e por isso a regulação do setor não está completamente atua­­lizada. Mas, ao mesmo tempo, o ministério também não tem olhado para o tema com a atenção necessária”, afirma Eduardo Bier, da DaDo Bier.

Contradição


Bier e Cavalcanti veem incongruências na regulamentação vigente, uma vez que produtos importados com ingredientes e nomes já proibidos para as cervejas nacionais podem entrar no país sem problemas. Para o dono da Bodebrown, essa diferença no tratamento dispensado ao produto importado e ao nacional evidencia que desentendimentos e proibições têm origem na falta de adequação das normas à realidade das novas cervejarias.

“A nossa relação com os fiscais e, de forma geral, com o ministério, é positiva. O problema está na regulamentação, que deixa muito a desejar e atrapalha nossas atividades”, diz Cavalcanti.

Bares

O constrangimento chegou aos locais de venda dos produtos. Semanas atrás, bares curitibanos foram visitados por fiscais do ministério e tiveram de retirar algumas cervejas artesanais de circulação.

O responsável pela questão no Ministério da Agricultura não pôde atender à reportagem quanto aos casos pontuais das cervejarias. Por e-mail, o órgão afirmou que as inspeções vêm sendo feitas dentro do cronograma anual da pasta e não teriam sido intensificadas nos últimos meses.

Fiscalização

Produtores caseiros na mira

A fiscalização do Ministério da Agricultura vem atingindo também os produtores caseiros de cerveja. Cerca de seis dos chamados homebrewers paranaenses foram denunciados ao ministério por não terem suas operações comerciais formalizadas no órgão. Em nota, o ministério afirmou que o número de microcervejeiros tem crescido no estado, assim como o volume de consultas feitas por pequenos produtores interessados no registro. E que os procedimentos e documentos necessários para a formalização da atividade podem ser vistos na Instrução Normativa 19/03 da pasta, que pode ser encontrada em www.agricultura.gov.br.

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